O SINTERP-BA entrevistou uma especialista no assunto, que fala como tratar adequadamente sobre o tema na mídia 

Dia 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. No Brasil, desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, em parceria com o Conselho Federal de Medicina – CFM, organiza o Setembro Amarelo, campanha que fala sobre o assunto durante todo o mês. De acordo com a entidade, no Brasil são registrados mais de 13 mil suicídios por ano e no mundo são mais de um milhão. Quase 97 por cento destes casos estão relacionados com transtornos mentais. O primeiro a depressão, seguido da bipolaridade e do abuso de substâncias.

Este é um assunto rodeado de tabus e de difícil abordagem. Uma pesquisa encomendada pela Pfizer, divulgada no início do mês, mostra que 79 por cento dos jovens tiveram a saúde mental afetada pela pandemia. E este é o público que registra o maior aumento de casos de suicídio, de acordo com a ABP. Além do código de ética do jornalismo, especialistas na área de saúde mental também mostram que a abordagem sobre o assunto precisa ser feita com cuidado, para não haver um efeito negativo. Mas, falar da forma correta sobre o suicídio salva vidas. Por isso, o SINTERP-BA trouxe uma entrevista com apsicóloga, especialista no assunto, Vanessa Oliveira Cordeiro Silva (CRP 03/21228). Também disponibilizamos o guia “Como falar de forma segura sobre o suicídio”, de karen Scavacini, para que os profissionais da comunicação consigam trabalhar o tema da forma correta, quando necessário.

 

Redação: Como a pandemia afetou as pessoas na questão da saúde mental e como pode ter colaborado para o aumento do suicídio? 

Entrevistada: O cenário da pandemia potencializa o sofrimento e os fatores que favorecem o suicídio. Por ser um fenômeno multifatorial, é preciso compreender quais são, como dificuldade de acesso ao tratamento em saúde mental, desemprego, isolamento, luto coletivo, solidão, desesperança, acesso reduzido ou inexistente a suporte comunitário e religioso/espiritual, suicídios de pessoas próximas, entre outros. Um em cada três casos chegam aos serviços de saúde, logo, os dados são incipientes. Mas, há estudos internacionais que revelam aumento considerável de casos entre adolescentes. A pandemia colocou uma lupa nas desigualdades sociais no nosso país e não podemos perder isso de vista ao falar do cuidado em saúde mental. O aumento resulta da falta de políticas públicas efetivas e promoção da saúde pública através do SUS e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Redação: Como o pilar da nossa vida trabalho influencia no assunto?

Entrevistada: As condições de trabalho e a remuneração são fatores de estresse relevantes, que impactam de forma importante. No caso de pessoas adultas, há responsabilidade pela renda familiar, então, elas podem sentir uma pressão diante da tendência de desemprego. Consequentemente, relações de trabalho que não são saudáveis ou abusivas podem comprometer a saúde mental dos trabalhadores.

Aqui no Brasil existe uma cultura de contato físico e aproximação que foi impactada. Portanto, a modalidade de home office também trouxe grandes dificuldades de adaptação, gerando estresse/mal-estar físico e mental. Nós somos seres sociais e estamos inseridas em relações que vão influenciar nossa vivência. Logo, faz-se necessário observar mudanças de comportamento, que podem ser sinais de alerta.

 

Redação: O suicídio pode estar relacionado com distúrbios causados por doenças? Como funciona uma mente que chega a este ponto?

Entrevistada: A partir de estudos e pesquisas, sabe-se que a presença de um transtorno mental é identificada como um importante risco para o suicídio, o agravamento de seus sintomas em vigência da pandemia torna-se um risco ainda maior. Além disso, estressores financeiros e outros precipitadores de suicídio, como aumento do uso de álcool e outras drogas e a violência doméstica, também tendem a se elevar neste momento de pandemia.

É um problema de saúde pública, que deve ser enfrentado em coletivo. No mundo, as notificações apontam para um suicídio a cada 40 segundos e aqui no Brasil, a cada 46 minutos uma pessoa tira a própria vida. Quando seidentifica o perfil das vítimas brasileiras: a maioria é homem, negro, com idade entre 10 e 29 anos, segundo dados do Ministério da Saúde, avaliados nos últimos cinco anos.

 

Redação: Ao que as pessoas precisam ficar atentas? Como se previne o suicídio?

Entrevistada: A depender da faixa etária e de outros marcadores sociais, existem fatores que chamam atenção. Para listar alguns: relatos de violência psicológica, ambiente familiar hostil, tentativas prévias de suicídio, falta de suporte social, exposições frequentes a situações de risco, declarações que possam indicar que não se importa mais com a vida.

Práticas e políticas públicas voltadas para a promoção de saúde mental e prevenção do suicídio são de extrema relevância nesse momento. Promover a conscientização da sociedade, fornecendo informações coerentes e consistentes para acabar com os mitos e as crenças sobre o fenômeno é imprescindível. Dessa forma, o tema se torna menos doloroso e a população passa a encará-lo com mais consciência e responsabilidade, sem estigmatizar, julgar ou excluir os que precisam de ajuda.

A prevenção só é possível em coletivo, defendendo o SUS, garantindo os direitos da população. Não são campanhas isoladas no mês de setembro que vão prevenir de forma eficaz o fenômeno que é problema de saúde pública. Não se pode mudar comportamento de risco sem compreender os determinantes sociais de saúde, a urgência de análise social e política sobre o fenômeno é parte da garantia de direitos.

Redação: De acordo com a ciência da psicologia, como a mídia deve tratar sobre o assunto?

Entrevistada: A divulgação nas mídias de reportagens inadequadas e fotos sobre suicídio, bem como cartas de despedida, devem ser feitas com responsabilidade e cuidado, pois podem provocar um efeito negativo, principalmente em momentos de vulnerabilidade, como o que estamos vivenciando na pandemia.

O efeito “Werther”: refere-se ao aumento de casos de suicídio após reportagens sensacionalistas, ou que mostrem com detalhes o suicídio de alguém. Diversos estudos confirmam que há uma relação entre a divulgação inadequada de suicídios e o aumento de casos.

O efeito “Papageno”: refere-se ao contrário, quando reportagens responsáveis podem diminuir o comportamento suicida no público, fornecendo exemplos de outras pessoas, que conseguiram superar crises suicidas, enfatizando alternativas ao ato, educando o público e gerando conscientização.

Consequentemente, a divulgação adequada de informações voltadas para a prevenção é fundamental. Recomenda-se não utilizar a expressão “cometeu suicídio”, uma vez que a expressão remete a um crime. Sugere-se utilizar a expressão “morreu por suicídio”, por exemplo. São detalhes como estes que podem fazer toda a diferença na comunicação. Seguir cartilhas da OMS (2017), do Ministério da Saúde (2017) e do Instituto Vita Alere (2019) são opções de fontes confiáveis e sérias.

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